Aos adeptos do Sporting pede-se muita coisa. A mim, só para dar o exemplo que tenho aqui mais à mão, pede-se que pague 12€ mensais de quota, que desembolse 330€ por um lugar anual, que vá ao estádio, que vá a alguns jogos fora, que não conteste o Paulo Bento, que não assobie uma equipa que joga junta há três anos mas que mais parece as peladinhas que aqui a malta do serviço joga às quintas-feiras e – pior que tudo – que ouça sem vomitar as declarações abjectas do Salema Garção.
Como se não bastasse, dada a incompetência da equipa, agora também têm que ser os adeptos a resolver partidas. Sim, porque aquele golo embaraçoso ao minuto 95 foi marcado a meias pelo Rui Patrício e pela minha amiga Ana.
A Ana é sócia pagante do Sporting, tem lugar atrás da baliza Vítor Damas (já agora, quando o Liedson lá marcar será considerado auto-golo?) e uma invulgar capacidade para resolver jogos nos últimos minutos. O Universo dota alguns poucos seres humanos de capacidades quase sobrenaturais, diria até para-normais, que fazem a diferença em relação aos demais. As mãos de Michelangelo transformavam blocos rochosos em deslumbrantes obras de arte. Mozart pegava em notas soltas e obtinha as mais fascinantes melodias, Ferran Adriá transforma inocentes ingredientes nas mais esquisitas (do inglês
exquisit, se faz favor) propostas gastronómicas, Santana Lopes por onde passa deixa tudo em cacos e a Ana usa a sua bexiga para marcar golos pelo Sporting. “A bexiga?”, interroga-se o veraneante leitor. Sim, a bexiga. Aquela de onde vem o xixi. E os golos, como adiante vamos perceber.
Tudo começou há três épocas atrás. Como qualquer outro milagre, na altura atribuiu-se o feito ao acaso. Mas o tempo viria a confirmar o facto científico. Nessa altura, já no mandato de Bento, o Sporting jogava um futebol fraco e previsível que levava a que muitas partidas chegassem aos últimos minutos perigosamente empatadas. Como ontem, também na altura o tédio invadia o espectador. E a Ana, que tem uma bexiga pequena mas uma grande sede, aproveitava que estava tudo a assobiar a equipa para ir fazer o seu último xixizinho antes do apito final. Ocorre que por duas ou três vezes o Sporting ousou marcar enquanto a minha amiga contava azulejos (literalmente). Aquilo teve piada. Até ao dia da final da Taça em que defrontámos o Belenenses (coitados, há anos que tentam descer de divisão e não há maneira de os deixarem…). Aí, com o jogo empatado a escassos instantes do final, alguém se lembrou de dizer: “oh Ana, e se fôsses à casa de banho para isto não ir a prolongamento? É que prometi à patroa que estava em casa para jantar...”. E a Ana lá foi. Resultado? Centro do Veloso e golo do Liedson.
Já nem preciso de vos contar o que aconteceu ontem, não é? Mal o Patrício começa a correr em direcção à baliza contrária, os vários convivas largam a gritar: “Já para casa de banho Ana! Vai! Rápido! Rápido!”. Ela ainda tentou resistir, alegando falta de vontade. Debalde. Empurrada e ameaçada de pancada pelos mais nervosos, foi. Se urinou ou não, só ela sabe. Mas o Sporting marcou. Na sala, cinco adeptos até então dormentes, saltavam, abraçavam-se e riam à gargalhada. Ninguém se lembrou de resgatar a Ana, que regressou perguntando “estão a gozar, não estão?”. Não estávamos.
Por isso, agradecia que a Sporting SAD tivesse a decência de, dos 2,4 milhões de euros que o Sporting abichou ontem, depositar 1,2 na conta do Patrício e os restantes 1,2 na conta da Ana.
Prometo tudo fazer para que ela invista a soma na contratação de um novo treinador. E um lateral direito. E um lateral esquerdo. E um central. E...