quarta-feira, 14 de abril de 2010

O senhor Mário do café

Há muitos anos atrás, no período de trevas hoteleiras que antecedeu a chegada da ASAE, tempos em que milhares e milhares de portugueses morriam diariamente por terem bebido uma ginginha em cálice de vidro ou comido um pastel de bacalhau cozinhado com uma colher de pau, o senhor Mário era um tasqueiro. Hoje é um empresário do ramo hoteleiro, tal com a contínua é auxiliar de acção educativa, os “almeidas” são técnicos de higiene urbana e a bica é Nespresso. O senhor Mário é o proprietário do café onde diariamente administro a minha dose individual de cafeína. O senhor Mário é benfiquista dos quatro costados.

Há três anos, quando me mudei para a rua do senhor Mário e comecei a frequentar o seu establecimento, ainda ensaiei a rábula que faço sempre com os taxistas: fingir que sou benfiquista. Entrava no café, sentava-me ao balcão e recebia com um sorriso o tradicional “bom dia amigo! Mais um diazinho, não é?”. Enquanto ele me trazia a bica, o Record, A Bola e o 24 Horas perguntava “então e o nosso Benfica!? Aquilo tá mal, hein?”. Depois era ficar ali e deleitar-me com o rol de queixumes e desculpas para a miséria quase sportinguista que então se vivia para as bandas da Luz. Ocorre é que, apesar de benfiquista, o senhor Mário não é parvo e começou a estranhar que eu abrisse o desportivo e fosse directo às páginas verdes. “O amigo anda a mangar comigo, não anda?”, perguntou-me um dia. Não neguei, ainda nos rimos com aquilo, continuámos amigos e mais importante ainda, o café continuou a €0,55. Também ainda não calhou andarmos à pedrada, apesar da pedrada que dá o bagacinho “lá da terra” que esconde com os cuidados de um espião britânico residente em Nuremberga em 1942.

O senhor Mário sofre com o Benfica. E quando digo “sofre” é porque sofre mesmo. Sofre de tal maneira que na semana passada sofreu um AVC minutos depois da sua equipa ser goleada pelo Liverpool para a “Ligórópa”. Felizmente a patroa acudiu-o a tempo e conseguiu-se evitar o pior. Foi internado em São José. A consternação lá na rua foi total. Nestes dias não se falou de outra coisa. Ninguém sabia ao certo como estava o senhor Mário, quais as consequências do AVC ou sequer quando teria alta.

Hoje de manhã, qual é o meu espanto quando vejo as portas do café abertas. Entro e eis o senhor Mário atrás do balcão, são como um pêro. Mal me vê, bica, Record, A Bola e o 24 Horas para cima do balcão, acompanhados do tradicional mantra “bom dia amigo! Mais um diazinho, não é?”, que de repente ganha todo um novo significado. Agora, “mais um diazinho” para o senhor Mário já não é um castigo a servir bicas, penaltes e aturar lagartos. É um bónus.

Por culpa de uma derrota do seu Benfica, o senhor Mário quase se finava. Ontem bastaram dois golos para arrancar os tubos, assinar o termo de responsabilidade e voltar a casa e ao trabalho.

O Benfica quase o matou. O Benfica o salvou. E hoje o café foi de borla.

A minha manhã foi menos má.


6 comentários:

O 7 Maldito disse...

A malta da informática do blogger onde isto se aloja é claramente do Benfica e ou ainda está de ressaca ou resolveu boicotar-me o post. O tipo de letra está a dar bota e já me cansei de tentar resolver...

Anônimo disse...

Cumprimentos ao Sr. Mário que cá na minha cidade, nas Caldas da Rainha se chama Roque e é do Sporting... e só não tem AVC's porque desliga todas as fontes de infomação a meia-hora do final do jogo, sai de casa sozinho e passeia-se até à hora dolorosa de ter que enfrentar a realidade.
Há muitos Mários por este país fora. Longa vida para eles.

Anônimo disse...

Ainda vai chegar o dia em que vais oferecer os cafés ao Sr. Mário...



Nds SCP

Cozinheiro Sueco disse...

Muito bom!

Dejan Savićević disse...

excelente post!!!

Petinga disse...

Muito bom!!