sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

O Derby

- Bom dia dona Alice, eu queria…
- Bom dia miúdo, queres rolos da regitadora usados, não é? Guardei-te aqui uns. E amanhã podes vir buscar mais.

Assim começavam os meus derbies. No supermercado lá do bairro e muitos, muitos dias antes do jogo. A ansiedade instalava-se logo após o apito final do jogo da jornada anterior e a partir daí era uma semana inteira a preparar todo o ritual do Grande Clássico (não há outro).
A picardia começava logo na escola e chegava a tomar proporções drásticas. Como da vez em que parti o braço depois do Fernando, benfiquista grande e bruto, me ter empurrado depois de ficar sem argumentos verbais. Nem foi mau de todo porque durante umas semanas teve que ser o Fernando a passar-me os apontamentos durante as aulas enquanto eu investia o meu tempo a micar as mini-saias das coleguinhas.
O açambarcamento de rolos de papel no supermercado explica-se com a minha participação numa ou noutra claque organizada. Recordo com saudade o meu momento alto de hooliganismo quando subi à grade da lateral do velho Alvalade e acertei com uma tangerina (ou seria uma tângera?) na perna do implacável defesa portista Branco, quando este se preparava para marcar um fora. Sim, naquela altura não havia “lançamentos de linha lateral”. Eram foras. Também não havia cá “túneis”. Eram ratas e ponto final.
Diga-se em abono da verdade que o Branco nem pestanejou e que com grande grau de certeza ainda é capaz de nos ter metido uma batatinha de livre directo.
À medida que o dia do jogo se ia aproximando, o nervosismo ia aumentando. Os bilhetes eram comprados dias antes, após secas homéricas nas bilheteiras, e isto só depois de igual seca para pagar as quotas aos cobradores, transidos pelo reumático nos seus bafientos guichets. E pensam que alguém reclamava? Qual quê. Era apenas um dos muitos passos que contribuía para o “build-up” para o grande momento. Eram rituais combinados em matilha, no tempo em que não havia Gameboxes com códigos multibanco para comprar bilhete. No tempo em que um ponta de lança jogava com o 9 nas costas e não com o 56. No tempo em que um jogador não era apenas um “activo”.
Na véspera do encontro, mal conseguia dormir. Acordava cedíssimo, como os miúdos depois da noite de Natal, loucos para experimentarem os novos brinquedos. E no dia propriamente dito, nem se fala. Se o jogo fosse às 19h nem almoçava. Saía lá pelo meio-dia com umas sandes no bolso (dinheiro para roulottes, nem vê-lo), apanhava o 33 e ia directo para o Estádio. Com sorte ainda via um jogo de andebol, hóquei ou basket na Nave, só para acalmar os nervos e aquecer a voz. À hora da abertura das portas (muitas horas antes) era um dos primeiros a entrar. E depois restava-nos esperar, aplaudir a primeira subida ao relvado dos nossos heróis ainda de fato de treino Le Coq Sportif em poliester, assobiar os adversários e apelidar a mãe do árbitro de toda a sorte de velhacarias. E nisto ainda faltavam horas para o apito inicial, debaixo de chuva ou sol, sentado no cimento agreste do saudoso Alvalade, onde em pleno jejum dos 18 anos estavam sempre 60 ou 70 mil. A cantar o único cântico conhecido à época: “olé, olé, olá…o Sporting é o melhor que há!” e sempre com uma entretanto extinta bandeira na mão.
Nos altifalantes os reclames do costume: "Minifoto Estúdio oferece um desconto de 10% aos sócios do Sporting. Minifoto Estúdio, há 10 anos frente aos Inválidos do Comércio..." e "o restaurante Toca do Xico oferece ao primeiro jogador do Sporting que marcar um golo um almoço para duas pessoas" .
Lembro-me de tudo isto porque passei esta semana sem ler um único desportivo, sem trocar uma palavra sobre futebol quanto mais do jogo de amanhã.
Sou só eu que estou mais velho ou o futebol mudou muito nos últimos anos?

9 comentários:

Cozinheiro Sueco disse...

Nem sei o que te diga, 7. Agora é um ai-Jesus para encher o estádio com 50'000. Seja como for, quando a bola começa a rolar, o mundo fica para trás e, tal como há 20 anos, a emoção é a mesma.

Força Sporting!

Anônimo disse...

ULTRAS CONTRA O FUTEBOL MODERNO
JOIN US

tudo mudou, para pior, ficam as recordações

Galaad disse...

Post estrondoso, 7!!! Que saudades destes tempos. Eu ainda não sinto tanta nostalgia apenas e só por um motivo: nós temos pavilhões!!

Mas nem com uma prosa deste calibre me consegues arrastar amanha para alvalade... Ja te disse que este ano não ponho lá os pés. Quanto ás cervejas, elas bem podem esperar... Se calhar marcamos para o Algarve, mas para o torneio do Guadiana porque ai o resultado é o que menos interessa, digo eu...

Abraço em letra do Aimar

Homem da Luz disse...

Na Luz, uma das recordações mais fortes que tenho é de passar pelos carros estacionados e ver centenas de mulheres, sentadas no lugar ao lado do condutor, a fazer tricot!
Os homens na Catedral e as esposas no carro a ouvir o relato e a fazerem rendilhados como os que o Chalana, Diamantino, Valdo e Magnusson faziam no relvado.
Que belos domingos à tarde vivi na Luz, algumas vezes eu e mais 120.000 ao meu lado.
Abraço e escolho bola.

Anônimo disse...

?e o Mancotorras fói convocado?

Anônimo disse...

Essa paixão sucumbiu ao dinheiro. E mais triste, não só fora das 4 linhas, mas também lá dentro..onde o sant graal, a bola de catchu, é hoje mal tratada e desprezada.

Pina

Anônimo disse...

ganda seca de post.

Cisto disse...

eheh mini foto estudio e toca do xico. onde é q isso já ia na memória!...

Anônimo disse...

REXIMPERATOR DIXIT:
Qual nave? Isso ja foi na bancada "nova". Grande andebol era no velho pavilhao, antes de ser atropelado pelo Metro....