Não conheço nem conheci na minha família ninguém que goste de futebol. Este dado, para além de ser ilucidativo acerca do superior nível de inteligência que aduba a minha árvore genealógica, explica o porquê de eu só ter começado a “ir à bola” lá para os 14 ou 15 anos de idade.
Talvez por morar perto do Estádio da Luz - com quinzenal convívio forçado com as hordas benfiquistas – fiz-me Sportinguista. Depois, uns amigos que moravam à distância de um very-light do velho Alvalade, na Rua Cipriano Dourado (a Faixa de Gaza dos jogos clássicos) convenceram-me a sentar pela primeira vez no cimento duro e frio da escaldante Superior Sul da vetusta arena leonina. E foi aí que tudo começou, sendo que hoje, vinte anos mais tarde, já me sento na central num lugar almofadado.
Lembro com emoção a hora em que desemboquei na bancada. Lembro-me que naquela altura ainda se levavam bandeiras, “claxons” e rolos de papel higiénico. Lembro-me com saudade dos reclames às baterias Tudor, Mako Jeans, Fnac (os ares condicionados do lince, não a loja de cultura a granel), Mabor General, Capri-Sonne e Lubrificantes Castrol. Lembro-me das Queijadas de Sintra que substituiam facilmente betão de secagem rápida. Lembro-me também dos altifalantes anunciarem estridente e solenemente que
“o restaurante Curral dos Caprinos oferece um almoço para duas pessoas ao primeiro jogador do Sporting que marcar um golo. Restaurante Curral dos Caprinos: à segunda…chanfana, à terça…leitão de Negrais, à quarta o famoso cozido…”. Depois era esperar para ver se o feliz contemplado com o repasto era o Jorge Plácido ou o Forbs, até porque naquela altura ordenados em atraso estavam tão na moda como cabelos “com roulotte atrás”, pelo que uma chanfanazinha grátis caía sempre bem.
Lembro-me também que foi nesse tempo que comecei a cultivar os meus ódios de estimação. Tenho para mim que este é um tipo de sentimento que só se desenvolve quando amamos muito uma coisa. Por exemplo: por mais perdidamente que eu ame a minha mulher, hei-de odiar sempre aquela mania que ela tem de me pôr as cervejas na prateleira de baixo do frigorifico, substituindo-as pelos supérfluos lacticínios. Como todos sabemos, o lugar da cerveja é lá em cima. Por uma questão de simbolismo hierárquico e porque é lá que está mais frio.
O ódio de estimação acaba por ser um pouco o bode espiatório de todo e qualquer desaire. É aquela almofadinha de conforto que está sempre lá quando é preciso culpar alguém, quando é preciso soltar a tensão sob a forma de um insulto.
O meu primeiro ódio de estimação dava pelo nome de Lima. O jovem era ruivinho e tinha uma técnica individual acima da média. Mas bem feitas as contas era uma perfeita nulidade, confirmada num jogo contra o FCP em que conseguiu falhar dois golos de baliza aberta. Entretanto desapareceu sem deixar saudade, reaparecendo recentemente sob a forma de treinador das camadas jovens, onde, como qualquer treinador, ganhou um segundo nome. Hoje ele é Lima, José Lima.
Depois do Lima, veio o inenarrável Cadete. Não vale a pena estar aqui a submeter-vos ao exasperante exercício de recordar os históricos falhanços de Jorge. No entanto, lá longe no norte das Ilhas Britânicas, uma tribo remota não concordava comigo e tomou-se de amores pelos seus longos cabelos e curtos neurónios. Cantaram-lhe hossanas e ainda hoje o recordam como um herói, um facto apenas explicável pelas invejáveis quantidades de uísque que ingerem antes de entrar no estádio.
Seguiram-se, contra a opinião da maioria dos meus consócios, os capitães Beto e Sá Pinto. O primeiro nunca me enganou. Como diz um amigo meu, um tipo que se chama Roberto Severo tem tudo para triunfar no Calcio
(… de um a onze: Paolo Maldini, Alessandro Costacurta, Roberto Severo…). Ao optar por um irrelevante Beto, condenou-se a não passar de um Huelva, apesar de - tal como Luisão - todos os verões o Real Madrid o querer contratar. Quanto ao idolatrado Sá, sempre tive para mim que “voluntarioso”, regra geral é um jogador que corre muito e atrapalha ainda mais. Se ama assim tanto o Sporting como dizem, que se venha sentar ao meu lado na bancada, onde aliás também se senta desde a inauguração do estádio o ex-capitão benfiquista Veloso (a quantidade de cervejas que já lhe paguei à pala daquele penalty, eheheh…g’anda Veloso!). Mais recentemente foram Custódio e Rodrigo Tello a ocupar este desonroso pódio. Ao trinco chamei rapidamente “jogador caranguejo”, pois só jogava para o lado. Era um a menos. Quanto ao chileno…nem encontro as palavras certas para o descrever. Custou uma fortuna e veio rotulado de melhor ala sul-americano. Acabou como sofrível defesa-esquerdo, horrível a defender e péssimo a atacar. Hoje anda a enganar turcos, mas pelo menos foi para lá de borla, o que minimiza o dano.
Chegados à temporada 2007/2008, o lugar ainda está em aberto. Candidatos não faltam: Purovic, Stojkovic e Farnerud travam uma guerra sem quartel para garantir a posição. Mas lá à frente bem destacado corre Ronny, “o aborígene”. A sua capacidade técnica mede-se a cada vez que toca na bola. O seu QI mede-se num simples olhar. Aquele olhar vazio, perdido. O vácuo cerebral. Em que é que ele estará a pensar quando estende o tapete vermelho aos Sougous, Matheus e Wenders da vida, quando abate dois pombos-correio na cobrança de um pontapé de canto ou quando induz em coma profundo um pastor alemão da PSP ao tentar converter um livre directo? Em que pensas tu Ronny?
Domingo a partir das 20 horas, Ronny vai encontrar pela frente um jogador hiper-talentoso, acossado pelos assobios dos seus, galvanizado pelos nossos e ainda mais motivado por novo aumento salarial (consta que passará a auferir 8 Renaults Traffic brancas/mês). Irá "o aborígene" garantir desde já um lugar nesta minha odiosa galeria, ou vai apenas adiar a decisão por mais umas jornadas?
Estarei lá para ver.